A evolução do profissional médico

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Adaptado da apresentação do Dr. Rodrigo Nascimento Pinheiro. Caso deseje assistir a palestra na íntegra, clique aqui.

Passado e evolução

Para falar sobre evolução de qualquer área, é importante desenhar – mesmo que mentalmente – uma linha do tempo. Falar sobre o passado para que erros não sejam repetidos no futuro. 

No passado, o médico era o mesmo profissional para todos os fins. Ele tratava os pacientes com base nas tradições locais e com a mínima tecnologia possível. Isso permeava não só a cirurgia como também a clínica, de modo geral, e todas as áreas da medicina que, até então, não eram tão vastas e tão diversificadas como hoje.

Porém, quando seguimos para a cirurgia oncológica, existem alguns marcos históricos importantes. As tentativas de ressecção de tumores e de cirurgias para tumores não são novas, já que figuram na literatura médica desde 1600 a.C., quando manuscritos egípcios foram achados e publicizados, de forma científica.

No entanto, a primeira ressecção oncológica documentada foi realizada por Ephrain McDowell, em 1809, seguindo para outros marcos históricos na cirurgia que também proporcionaram o avanço dessas técnicas e tecnologias de forma acelerada, chegando a 1890, quando Halsted, com todos os seus princípios e ideias, revolucionou a cirurgia de tumores criando o que é atualmente conhecido como os “Princípios Oncológicos de Halsted” série de conceitos que norteiam a cirurgia oncológica moderna. 

Dessa forma, o conhecimento desse profissional, o cirurgião oncológico, precisa cobrir a história natural do câncer, permeando todas as fases da doença, desde a época da exposição (as fases pré-clínicas) até as fases clínicas. Portanto, o cirurgião oncológico é um profissional que vai atuar em diferentes pontos da história natural da doença e realizar tratamentos de forma bastante ampla e dinâmica na evolução do paciente. 

O presente da cirurgia

Existe uma quantidade muito grande de informações que pode ser adquirida, inclusive pelo próprio paciente. Hoje dispomos de equipamentos e tecnologias cada vez mais modernos, dispositivos e redes de informação, pesquisa e conexão cada vez mais eficientes, mas ainda cabe à equipe escolher o melhor recurso para empregar em uma situação específica. Gestão de conhecimento que tentamos agrupar no que chamamos “medicina baseada em evidências”, ferramenta extremamente útil e importante no ambiente moderno. Porém, ainda cabe aos profissionais de saúde, às equipes e aos times cirúrgicos a decisão de como e quando empregar os melhores recursos. 

Com isso, também é importante entender o papel central da cirurgia no tratamento do câncer, visto que, em torno de 60% dos pacientes oncológicos são cirúrgicos em algum momento da sua história natural e 90% dos pacientes vão precisar de algum tipo de procedimento de alguma natureza, seja para alívio de sintomas, seja um procedimento terapêutico de melhora de qualidade de vida ou de melhora de sobrevida. Além disso, o cirurgião oncológico também divide responsabilidades, tecnologia e conhecimento com profissionais da oncologia clínica e de outras especialidades, buscando sempre o suporte interdisciplinar, baseado em vários saberes somados, agregando valor à linha de cuidado e assistência em oncologia. 

Essas tecnologias podem ser classificadas como “tecnologia leve-dura” e “tecnologia dura” que consistem, respectivamente, nos conhecimentos padronizados e classificados em medicina, e nos dispositivos de alta complexidade e alta tecnologia dispostos para uso, neste caso, oncológico.

Assim, na cirurgia moderna temos um casamento perfeito dessas duas situações: a máquina e o seu operador. O conhecimento técnico das equipes, dos profissionais atuantes, somados aos equipamentos de última geração. As cirurgias, portanto, com esse somatório de tecnologia, podem ser de alta complexidade e minimamente invasivas, entregando valor, de forma que podemos fazer mais com muito menos. Porém, as cirurgias de alta complexidade convencionais se mantêm e, atualmente, entregam valor no sentido que os médicos, graças a esse somatório de tecnologias também conseguem realizar procedimentos que antes eram impossíveis.

Atualmente existem vários exemplos disso, procedimentos de altíssima complexidade, cirurgias grandes, como as interações pélvicas, cirurgias de citorredução peritoneal com quimioterapia peritoneal e tantas outras.

Ao fazer um breve passeio pela literatura médica, percebemos que a introdução e a agregação do conhecimento do profissional e das equipes sempre foi o foco da literatura no sentido de melhoria da assistência nas linhas de cuidados em oncologia. Alguns exemplos disso ficam a cargo de enfermidades comuns da ecologia como a busca do fator prognóstico no câncer gástrico, a qual fica estabelecida na literatura, em vários estudos, que habilidade de ressecção cirúrgica é algo extremamente útil, por exemplo.

No entanto, vale destacar que as curvas de aprendizado para que procedimentos importantes sejam realizados de forma adequada são extremamente amplas. Com a curva de aprendizado em oncologia apresentando uma complexidade de estudo, já que ela pode variar de 18 a 72 meses ou de 15 a mais de 100 procedimentos quando relacionada à gastrectomia, algo que agrega uma dificuldade enorme para o desenvolvimento dessa “tecnologia”: o cirurgião especializado em oncologia/especializado em câncer. Habilidade extremamente difícil e demorada de construir.

Um exemplo disso fica a cargo de resultados como o realizado em artigo versando sobre o tratamento de câncer colorretal que apresenta melhores resultados (com menor mortalidade) quando cirurgiões especializados estão agrupados em centros especializados onde várias equipes, com a mesma filosofia, podem contribuir com seus saberes, melhorando o resultado e agregando mais valor a linha de assistência oncológica. 

Por exemplo, nas ressecções de metástases hepáticas, ressecções de deliberação terapêutica extremamente delicada, temos melhorias cada vez mais marcantes de morbimortalidade. Melhoras flagrantes conquistadas graças à eficiência dessas melhorias, mas que ainda hoje geram discussão e polêmica quanto às decisões. Atualmente, ainda existe discordância de conduta sugerida na ordem de quase 65% das equipes, mesmo as especializadas, e discordância na ressecabilidade, ou seja, na chance de ter o tumor ressecado por essas equipes, na ordem de 7%. Um índice relativamente alto, quando se fala em várias equipes cirúrgicas. 

Como parte disso, também é importante destacar que cirurgiões especializados usam mais tecnologia como, por exemplo, a radioterapia. Essa junção do desenvolvimento dos novos equipamentos de radioterapia com as novas técnicas e as novas tecnologias de oncologia clínica tem permitido – em muitas situações – diminuir o tamanho da cirurgia, com um melhor resultado. Isso melhora a sobrevida, a morbimortalidade, diminui a mortalidade, o tempo de internação e melhora os índices de todos os outros desfechos desejáveis por causa dessa junção das tecnologias das equipes médicas com os dispositivos de alta tecnologia.

Quando avaliamos câncer ginecológico, câncer de ovário que é uma enfermidade de extrema dificuldade de prognóstico, nós sabemos que o tratamento padrão é multidisciplinar, mas envolve sempre cirurgia agressiva. A cirurgia é um fator prognóstico, quando ela tem a menor quantidade de doença residual possível, agrega ganhos indiscutíveis para o paciente, existindo uma relação positiva entre a citorredução adequada e as cirurgias sem resíduo de doença, com melhores prognósticos, a ponto da literatura médica atual sugerir o encaminhamento dessas pacientes a cirurgiões oncológicos.

Atualmente, existem várias discussões sobre o desenvolvimento de cirurgias minimamente invasivas, que já são uma realidade disponível em cada vez mais centros de saúde e serviços que atendam e tratem o câncer. Porém, ainda hoje, entende-se que resultados iniciais – como o dos realizados em colo uterino, mostrando que as histerectomias radicais quando comparadas as histerectomias minimamente invasivas apresentam melhor resultado – enfatizam a necessidade de reforço do uso das ferramentas tecnológicas, das equipes, da formação e treinamento, destacando a necessidade de evolução contínua e de curva de aprendizado contínuo e continuado, para que esses profissionais atinjam o objetivo de agregar valor a essas linhas de tratamento, fazendo cada vez mais com menos agressão, com menos sequelas e com menos desperdício de recursos.

Os ensinamentos do oriente 

O oriente, principalmente países como Coreia do Sul e Japão, têm ensinado em várias situações como operar câncer, especificamente doenças do aparelho digestivo. É inegável que nos últimos dois séculos houve um aumento na segurança e uma diminuição da morbidade por meio do desenvolvimento de técnicas minimamente invasivas em consonância com o desenvolvimento das tecnologias, das equipes e dos saberes de atendimento.

O tratamento dessas enfermidades, principalmente gastrointestinais, combinam, de forma diferente, questões do ocidente e do oriente, mas muitos dos procedimentos que o ocidente estabeleceu como padrão foram apresentados pelos japoneses que estabeleceram a cultura do aprimoramento da equipe especializada, apostando no desenvolvimento da centralização do atendimento em hospitais e centros especializados em conjunto com a medicina baseada em ensaios clínicos e multi-institucionais, comparando e checando os resultados de forma extremamente firme.

O ensino e a adoção dessas metodologias na construção dessa tecnologia dita leve-dura, referente ao profissional de saúde e ao desempenho das suas funções na linha de atenção em oncologia são fundamentais. Por isso a telemedicina é mais um exemplo de como a tecnologia dura e dispositivos de várias naturezas podem ajudar, não só no atendimento, na assistência do paciente oncológico, mas também no treinamento das equipes e dos novos cirurgiões que terão oportunidades de utilizar e experimentar tecnologia, otimizando suas práticas por meio do uso dessas novas ferramentas que permitem a conectividade.

O que esperar do futuro

Será que o futuro ainda é futuro ou ele já se tornou presente? 

“No futuro”, de acordo com a Dra. Lena Maier-Hein, “a cirurgia será baseada no processamento holístico automático de todos os dados disponíveis para facilitar, otimizar e objetivar a prestação de cuidados usando técnicas da ciência de dados cirúrgicos.”

Dessa forma, o processo pode acontecer não só baseado em um caso específico, já que agora vamos começar a falar sobre Internet das Coisas, uso de Inteligência Artificial e até mesmo de procedimentos terapêuticos, talvez, à distância. Isso tudo estava sendo previsto por alguns autores, principalmente os que se dedicam ao estudo de novas tecnologias em medicina, mas isso já não está tão no futuro. Talvez já esteja se iniciando no presente. Ou melhor, já é possível identificar essa evolução em algumas situações, nas quais, cada vez mais a adoção das tecnologias duras, da Inteligência Artificial e da Internet das Coisas vêm acontecendo de forma extremamente vantajosa em benefício dos pacientes oncológicos.

Assim, concluímos que a interdisciplinaridade em oncologia, as novas tecnologias – sejam elas as ditas tecnologias leve-dura (referentes ao desenvolvimento do profissional de saúde que irá prestar sua assistência em linha de atenção oncológica e a seus conhecimentos estruturados), as ditas tecnologias duras (todos os dispositivos auxiliares e que serão utilizados diretamente na assistência) – e a gestão do conhecimento através da medicina baseada em evidências com todos os seus pilares:

  • A melhor evidência científica disponível;
  • A expertise clínica das equipes;
  • Os valores e as expectativas do próprio paciente;
  • O estudo da situação clínica, do problema clínico;

São os elementos que, associados à busca pela entrega de valor na assistência, vêm norteando os avanços e a evolução do profissional médico na área de cirurgia oncológica.


Este resumo foi baseado na palestra do Dr. Rodrigo Nascimento Pinheiro, que pode ser assistida na íntegra aqui.

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