A neoplasia de pâncreas apresenta alta mortalidade, representando a quarta causa de morte por neoplasias em ambos os sexos nos Estados Unidos. Apesar da ressecção cirúrgica apresentar controle de doença a longo prazo, apenas 20% dos pacientes são candidatos à cirurgia upfront e, mesmo com a realização de quimioterapia adjuvante, aproximadamente 50% dos pacientes vão apresentar recorrência local.
Os inibidores de checkpoints imunes têm surgido como nova opção de tratamento, mas são ainda usados de forma isolada na neoplasia de pâncreas e com resultados ainda frustrantes. Hipotetiza-se que isto ocorra pelo ambiente micro tumoral imunossupressor desta neoplasia, bem como devido à mutações genéticas inerentes. Para aumentar a efetividade do tratamento, a radioterapia potencialmente liberaria antígenos tumorais associados, promovendo maior atividade das células T e maior acesso ao tumor pela sua vasculatura e citocinas do meio. Assim, com maior imunogenicidade da irradiação tumoral, o racional da combinação da radioterapia e imunoterapia é que a radiação poderia, de forma não invasiva, potencializar o sistema imune contra as células tumorais, onde a apresentação de antígenos e co-estimulação imune seriam facilitadas.
Estudos prévios com SBRT em pâncreas mostram boas taxas de controle local, o que eventualmente poderia ser traduzido em ganho de sobrevida. Além disso, para a maioria dos pacientes com neoplasia de pâncreas localmente recorrente, a diminuição da dor abdominal poderia se traduzir em melhor qualidade de vida. Desta forma, este estudo foi delineado para comparar os desfechos entre SBRT com pembrolizumabe e trametinibe versus SBRT com gencitabina em pacientes com neoplasia de pâncreas localmente recorrente após ressecção cirúrgica, seguido de mFOLFIRINOX (5-FU, oxaliplatina, irinotecano e ácido polínico) ou 5-FU.
Este foi um estudo randomizado, controlado, fase II, em que os pacientes foram recrutados um hospital na China e deveriam ter PS 0 ou 1, PD-L1 positivo e mutação KRAS na peça cirúrgica, entre outros critérios de inclusão.
Vale destacar aspectos do planejamento de radioterapia: após delineamento do GTV, uma expansão de 2 a 5 mm era dada para o CTV. Se o tumor tocasse órgãos de risco, apenas margem de 2 mm era permitida para redução de toxicidades. Se o tumor estivesse a pelo menos 8 mm de distância de órgãos de risco e com a presença de marcadores fiduciais, uma expansão de 3 a 5 mm poderia ser usada. A dose prescrita foi de 35 a 40 Gy em 5 frações de 7 a 8 Gy/dia, com BED10 mediano de 64,38 Gy em ambos os grupos. Para seguimento, tomografias, ressonâncias e CA19-9 foram realizados.
Foram incluídos e randomizados neste estudo 170 pacientes com desfecho primário de sobrevida global. A sobrevida global mediana e sobrevida livre de progressão foi de 24,9 meses e 18,3 meses no grupo SBRT com pembrolizumabe e trametinibe versus 22,4 meses e 15,6 meses no grupo SBRT com Gencitabina. A maioria dos efeitos adversos, em ambos os grupos, foi caracterizada como grau 1 ou 2. O grupo que realizou imunoterapia teve mais efeitos adversos grau 3 ou 4 (31% x 20%) e efeitos adversos severos (22% x 14%), o que levou à redução das doses de trametinibe e pembrolizumabe em 8% e 5% dos pacientes, respectivamente. Os efeitos adversos mais comuns que levaram ao atraso, interrupção temporária do tratamento ou redução de dose foram aumento da AST/ALT, bilirrubinas, neutropenia e trombocitopenia.
A estratégia de SBRT com imunoterapia apresentou vantagens de sobrevida quando comparada à Gencitabina, com HR de 0,60 (p=0,0012) para sobrevida global, sendo este o primeiro estudo a demonstrar esta vantagem no cenário da neoplasia de pâncreas localmente recorrente.
Até o momento, quimioterapia ou quimiorradioterapia é o recomendado como primeira linha de tratamento, sem adição de imunoterapia. Além disso, a ressecção neste cenário só é indicada em pacientes altamente selecionados, devido ao potencial risco de envolvimento vascular e alto risco de complicações. A sobrevida dos pacientes que receberam SBRT com imunoterapia foi similar àqueles que são reoperados, mas com menores incidências de complicações e menor morbidade associada, com vantagem ainda na ampliação na seleção dos pacientes, resultando em mais indivíduos se beneficiando do aumento de sobrevida. Este estudo também foi pioneiro em mostrar melhora clinicamente relevante da dor para ambos os grupos.
Por ser um estudo com pequeno número de pacientes, unicêntrico e fase II, mais dados são ainda necessários e aguardados para amadurecer esta hipótese. Entretanto, é inegável o potencial desta estratégia.
Conteúdo desenvolvido por Dra. Maria Thereza (@TherezaStarling/Twitter – @mthzams/Instagram), Dr. Fábio Y. Moraes (@fabiomoraesmd/Twitter – @drfabio.moraes/Instagram) e time Câncer em Foco.
Este resumo foi baseado neste conteúdo https://www.thelancet.com/journals/lanonc/article/PIIS1470-2045(21)00286-2
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