A radioterapia estereotáxica ablativa corpórea (SABR) consiste no emprego de doses altas de radiação, definidas em doses maiores que 6 Gy/fração, entregues em 1 a 5 frações com técnica altamente conformada, que só foi passível de implementação e validação perante a evolução tecnológica da radioterapia nas últimas décadas. Atualmente, esta técnica é uma opção de tratamento segura e de alto potencial curativo, com nível de evidência 1 e grau de recomendação A em pacientes com neoplasia de pulmão não pequenas células (NSCLC) inoperáveis T1-T2 N0.
Sua efetividade e conveniência, somado ao fato de ser uma técnica não invasiva de baixa morbidade, levaram ao questionamento se a mesma poderia ser usada como estratégia de tratamento em pacientes operáveis. Estudos prévios prospectivos (JCOG 0403, RTOG 0618 e análise combinada do STARS-ROSEL) mostravam desfechos satisfatórios e similares, quando comparados à cirurgia, com qualidade de evidência nível 2. Estudos randomizados, entretanto, não conseguiram recrutar adequadamente os pacientes, visto que existe o viés do paciente e do médico a favor da estratégia cirúrgica.
Apesar disso, a análise combinada dos pacientes incluídos no STARS e ROSEL mostrou que SABR está associada a maior sobrevida comparado à lobectomia com dissecção linfonodal mediastinal (95 x 79% em 3 anos, p=0,037). É importante, entretanto, destacar algumas limitações do estudo, como o pequeno número de pacientes, curto período de seguimento, heterogeneidade dos protocolos de estudo e baixo uso de técnicas cirúrgicas contemporâneas, como a cirurgia toracoscópica assistida por vídeo (VATS).
Este estudo, realizado pelo grupo do MD Anderson Cancer Center, mostra os resultados de longo prazo do estudo STARS revisado, no qual os pacientes do grupo SABR foram novamente recrutados com maior tamanho da amostra e com comparação especificada por protocolo com correspondência de propensão com um corte de pacientes institucional, prospectivamente registrados, que realizaram VATS com dissecção linfonodal mediastinal (L-MLND).
É importante deixar claro que os pacientes não foram os mesmos e que foram incluídos aqueles com performance status de 0-2, com diâmetro tumoral menor ou igual a 3 cm (cT1a ou cT1b cN0 cM0 – IA) e operáveis. Além dos testes de função pulmonar, era mandatório a realização de PET-CT no estadiamento. Uso de ultrassom endobrônquico (EBUS) com aspiração por agulha fina de amostra linfonodal hilar e mediastinal era fortemente recomendado para pacientes com linfonodos medindo mais de 1 cm (no menor diâmetro) ou com SUV maior que o pool mediastinal.
Vale destacar os aspectos técnicos. A tomografia de simulação era feita com tomografia 4D e o iGTV era delineado na TC reconstruída com projeção de intensidade máxima (MIP) e nas fases individuais respiratórias ou em apneia. Uma expansão de 5 mm era usada para criação do PTV. A dose prescrita de radiação foi de 54 Gy em 3 frações para lesões periféricas ou 50 Gy em 4 frações com boost simultâneo integrado até 60 Gy no iGTV para lesões centrais, conforme definição IASLC (International Association for the Study of Lung Cancer). Pacientes com sobreposição do PTV com árvore traqueobrônquica, esôfago, coração ou plexo braquial não foram incluídos no estudo. O tratamento era realizado em dias consecutivos, necessariamente com uso de radioterapia guiada por imagem (IGRT).
O desfecho primário do estudo era sobrevida global em 3 anos e o estudo foi delineado para não inferioridade do tratamento com SABR de até 12% comparado à VATS L-MLND. Foram incluídos 80 pacientes, a maioria com histologia adenocarcinoma, localização periférica (67%) e tamanho médio de 1,83 cm. A sobrevida global (SG) e sobrevida livre de progressão (SLP) em 3 e 5 anos para o grupo SABR foi de 91% e 87% (SG) e 80% e 77% (SLP), respectivamente. A tolerância dos pacientes foi boa, sem toxicidades grau 4-5 e apenas um caso para cada um dos seguintes: dispneia grau 3, pneumonite grau 2 e fibrose pulmonar grau 2.
Não houve diferença com significância estatística para SG entre o grupo VATS L-MLND e SABR (p=0,49), e o estudo atingiu seu desfecho de não inferioridade em 3 anos. Também não houve diferença em SLP, sobrevida câncer específica, taxas de recorrência local e metástase à distância. O grupo SABR apresentou maior taxa de recorrência regional (12,5% x 2,7%, p=0,017).
Estes resultados são de extrema importância, uma vez que correspondem aos dados de um estudo realizado com boa seleção de pacientes (EBUS minimizou inclusão de pacientes com doença nodal oculta, tendo sido realizado em mais de 90% dos pacientes da coorte SABR) e técnicas contemporâneas de planejamento e entrega de dose. Por serem pacientes operáveis, este estudo apresentou toxicidades inferiores às séries de pacientes inoperáveis. Desta forma, comparado à cirurgia, foram obtidas taxas de sobrevida semelhantes com menos efeitos adversos, sendo uma estratégia com grande potencial.
Como desvantagem desta abordagem, vale citar as taxas de falso negativo do EBUS, que podem ter contribuído para a maior recorrência locorregional observada no grupo SABR. Entretanto, esta recorrência não impactou na SG ou SLP, uma vez que tais pacientes podem ser efetivamente resgatados. Seguimento próximo é, portanto, fortemente recomendado pelos autores. Finalmente, como limitações, este é um estudo não randomizado; o grupo VATS L-MLND não tinha um protocolo fixo de tratamento; existe o viés de seleção dos pacientes para o grupo SABR e o estudo permitiu um maior intervalo entre o PET-CT e início de tratamento, o que pode ter impactado em maior disseminação tumoral e upstaging.
Assim, estes resultados corroboram estudos previamente publicados e ilustram o potencial da SABR para pacientes com neoplasia de pulmão em estágios iniciais operáveis. Evidências randomizadas e com recrutamento adequado são aguardadas para conclusões mais definitivas.
Conteúdo desenvolvido por Dra. Maria Thereza (@TherezaStarling/Twitter – @mthzams/Instagram), Dr. Fábio Y. Moraes (@fabiomoraesmd/Twitter – @drfabio.moraes/Instagram) e time Câncer em Foco.
Este resumo foi baseado neste conteúdo https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lanonc/PIIS1470-2045(21)00401-0.pdf
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