A neoplasia de pulmão é um dos principais tipos de câncer e uma das maiores causas de mortalidade relacionadas a câncer, com mais de 2 milhões de novos casos e 1,8 milhões de mortes a cada ano. A cirurgia é o tratamento de escolha em pacientes com neoplasia de pulmão não pequenas células estágio I a IIIA operáveis, apesar de menos de 30% dos pacientes serem elegíveis para esta modalidade. Entretanto, mesmo após ressecção completa, existe o risco de recorrência local ou à distância. Desta forma, diversos estudos avaliaram o uso de quimioterapia e radioterapia adjuvantes.
Foi demonstrado não haver benefício em sobrevida com realização da radioterapia pós-operatória (PORT) em pacientes pN0 e pN1, após metanálise publicada em 1998 – com diversos estudos realizados principalmente na década de 1980-1990, usando técnicas de radioterapia inferiores ao padrão atual. Entretanto, ainda tinha um papel importante em pacientes com envolvimento nodal mediastinal. Com a melhora técnica da radioterapia, melhor estadiamento dos pacientes com PET-CT e RNM de crânio e melhora das técnicas cirúrgicas torácicas e cuidado clínico intensivo, o papel da adjuvância com radioterapia em pacientes N2 permaneceu incerto. Desta forma, o Lung ART (The Lung Adjuvant Radiotherapy Trial) foi delineado como estudo fase III, randomizado, com desenho de superioridade para o braço da radioterapia, com objetivo de fornecer evidências mais robustas neste cenário.
Foram randomizados 501 pacientes com neoplasia de pulmão não pequenas células, submetidos à ressecção completa com avaliação linfonodal, com envolvimento mediastinal N2, confirmado patologicamente ou citologicamente. Quimioterapia era permitida de forma pré-operatória ou pós-operatória, mas não concomitante à radioterapia. Os pacientes deveriam ter ECOG 0-2, com condições de receber radioterapia e com função pulmonar adequada após a cirurgia, com VEF1 > 1 L ou maior que 35% do valor teórico de cada paciente. Sobre os aspectos técnicos, o grupo que recebeu PORT teve o tratamento realizado em 27 frações de 2 Gy/dia ou 30 frações de 1,8 Gy/dia, com a técnica 3D mandatória para os pacientes e radioterapia de intensidade modulada da dose (IMRT) permitida nos centros com expertise.
O volume de tratamento consistia no tumor clínico ressecado (rCTV), que correspondia aos linfonodos envolvidos de acordo com o relatório anatomopatológico. Nos casos de quimioterapia pré-operatória, eram incluídos os linfonodos inicialmente envolvidos nos casos de downstaging. O coto brônquico, a região nodal peri-hilar ipsilateral e a provável extensão para pleura mediastinal adjacente ao leito tumoral ressecado também eram incluídos no rCTV. Deste volume, foram adicionados 1 cm de margem para criação do CTV mediastinal, que também incluía sistematicamente os linfonodos subcarinais (LN7) e paratraqueais (LN4). Para criação do PTV, uma margem de pelo menos 0,5 cm radial e 1 cm crânio-caudal do CTV era recomendada.
Mais de 90% dos pacientes em ambos os grupos foram estadiados com PET-CT e 96% receberam quimioterapia neoadjuvante ou adjuvante. Em revisão detalhada, 28%, 41% e 30% tiveram ressecção R0, incerta e R1, respectivamente – lembrando que um dos critérios de inclusão do estudo era uma ressecção considerada completa. Vale destacar também que 89% dos pacientes receberam radioterapia com técnica 3D e apenas 11% receberam IMRT.
Com desenho de superioridade para o braço PORT e seguimento mediano de 4,8 anos, o desfecho primário de sobrevida livre de doença (SLD) em 3 anos não foi diferente entre os grupos (44% PORT x 47% controle; HR 0,86; p=0,18), ambas maiores que as hipotetizadas. Destes pacientes com eventos no desfecho de SLD, 36% tiveram recorrência mediastinal, o que correspondeu a 25% dos 144 pacientes alocados para PORT e 46% dos 152 pacientes do grupo controle. O grupo PORT teve maior toxicidade aguda grau 3-4 (12%, sendo a mais comum pneumonite) e maior toxicidade tardia cardiopulmonar, observada em 11% dos pacientes (versus 8% e 5%, respectivamente, no grupo observação). 2% dos pacientes no grupo controle e 16% dos pacientes no grupo PORT morreram devido à doença cardiopulmonar. Os autores destacam que a dose mediana cardíaca e pulmonar foi de 13 Gy, com porcentagem mediana de dose em pulmão normal recebendo pelo menos 20 Gy de 23%.
Como limitações, os autores destacam que os eventos de sobrevida livre de doença foram reportados pelos investigadores, além do número de pacientes ter sido reduzido de 700 para 500 pelo recrutamento lento. Além disso, 89% dos pacientes realizaram radioterapia 3D, o que pode ter contribuído com a maior toxicidade geral e cardiopulmonar observada no estudo. Além destas limitações, é importante citar que em pacientes N2 ressecados o papel da extensão extra-capsular (EC) ainda não é bem compreendido. Após revisão cuidadosa de todos os laudos anatomopatológicos neste estudo, foi observado que a EC era inconsistentemente reportada, o que mudava o status da ressecção cirúrgica de R0 para incerto ou R1. Em análise exploratória, ressecção R0 foi considerado fator de bom prognóstico, sendo as taxas de falha local associadas à ressecção a serem reportadas em análises futuras.
Em conclusão, este estudo fornece evidências que a PORT com técnica 3D conformada não foi associada a maior SLD, além de maior toxicidade – não podendo ser indicação de rotina para todos os pacientes. Entretanto, ainda restam dúvidas sobre o papel da irradiação adjuvante no cenário N2 com técnica IMRT, destacando o benefício em menor recorrência mediastinal de aproximadamente 50% observado neste estudo. A seleção de pacientes com maior risco de recorrência e a combinação desta estratégia com imunoterapia são desafios a serem estudados nos próximos anos. Até lá, é recomendada uma decisão individualizada, preferencialmente em reuniões multidisciplinares, baseadas no risco individual de recorrência locorregional.
Este resumo foi baseado neste conteúdo https://www.thelancet.com/journals/lanonc/article/PIIS1470-2045(21)00606-9/fulltext
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